quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Comunhão e Evangelização

Feito isto, apanharam uma grande quantidade de peixes, de modo que as redes se rompiam. Acenaram então aos companheiros que estavam no outro barco, para virem ajudá-los. Eles, pois, vieram, e encheram ambos os barcos, de maneira tal que quase iam a pique. Lucas 5.6-10


INTRODUÇÃO
Há uma íntima afinidade entre comunhão e evangelização. A Igreja está inserida no contexto do mundo, justamente, para proclamar o Evangelho da graça de Deus aos homens. Não fosse a proclamação de que foi incumbida, a Igreja já poderia ter deixado a vivência terrena para ir gozar as mansões celestiais.
Podemos afirmar, num sentido bem amplo, que a Igreja não tem razão de ser apenas, para si mesma. Ao contrário, ela deve direcionar o seu olhar para os outros, porque toda a humanidade deve estar na Igreja. Neste ponto, Charles Van Engen indaga: “se a Igreja é para todos, por que nem todos estão na Igreja?” A resposta deverá ser buscada no atendimento ao desafio evangelizador que cabe à Igreja.
Sua missão é proclamar o Evangelho da graça de Deus a todos os homens. Boa parte da humanidade não se encontra na Igreja porque ela tem falhado em seu papel evangelizador. Precisamos entender que o “fazer” evangelização da Igreja sem unidade é escândalo, isto porque no Reino de Deus não existe espaço para o “fazer” individualista. A Evangelização está sempre evidenciando o aspecto da comunhão, porque não existe espaço para evangelização na igreja de forma individualista. A comunhão tem a ver com o Corpo de Cristo e com a comunidade do Povo de Deus.

I - A IMPORTÂNCIA DA COMUNHÃO PARA A EVANGELIZAÇÃO
Comunhão e evangelização são temas profundamente conectados, na verdade são inseparáveis. A evangelização sem a comunhão pode ser descrita como uma sala de obstetrícia, onde os bebês recém-nascidos são abandonados à sua própria sorte. A comunhão precede a evangelização. Somente uma igreja que comunga com saúde evangeliza com eficácia. Os novos convertidos, frutos da evangelização, precisam ser integrados na igreja, onde encontrarão ambiente propício ao seu crescimento espiritual.
a) A comunhão é algo belo e agradável aos olhos de Deus. “Oh quão bom e agradável é viverem unidos os irmãos” (Sl 133.1). A união fraternal é algo belo aos olhos de Deus e aos olhos dos homens. A comunhão fortalece os relacionamentos e abre portas para novos contatos evangelísticos. A amizade é um poderoso instrumento evangelístico. Um indivíduo normalmente só permanece numa igreja onde constrói relacionamentos significativos de amizade. Somos cooperadores de Deus na obra da evangelização. Somos ministros da reconciliação. Sem comunhão, a evangelização perde sua eficácia. Jesus afirma que os novos convertidos precisam ser integrados na igreja e essa integração passa pela comunhão (Mt 28.18-20).
b) A comunhão é algo profundamente terapêutico. O salmista comparou a comunhão fraternal ao óleo (Sl 133.2) e ao orvalho (Sl 133.3). O óleo tem um simbolismo muito rico tanto no Antigo como no Novo Testamento e era usado como cosmético, como remédio, e como um símbolo espiritual. A comunhão fraternal traz beleza aos relacionamentos. A comunhão fraternal produz alívio na dor. A comunhão fraternal é instrumento de cura emocional e espiritual. O orvalho é outra figura importante usada pelo salmista. O orvalho tem várias características interessantes: Em primeiro lugar, ele cai todas as noites. Sua ação é contínua. Assim deve ser a união fraternal. Em segundo lugar, o orvalho cai silenciosamente. Diferente da chuva, ele não é precedido pelos relâmpagos nem pelo estrondo dos trovões. Ele cai sem alarde. Assim é a comunhão fraternal. Ela age de forma terapêutica sem fazer barulho. Em terceiro lugar, o orvalho cai durante a noite, ou seja, nas horas mais escuras da vida. É quando atravessamos os vales escuros da dor que a ação benfazeja da amizade desce sobre nossa vida como o orvalho restaurador. Em quarto lugar, o orvalho sempre traz renovo e refrigério depois de um dia de calor escaldante. E esta comunhão que os desesperados buscam quando encontram a Cristo e é esta mesma comunhão que eles precisam ver na Igreja.
c) A comunhão é a condição indispensável para uma evangelização eficaz. “Ali o Senhor ordena a sua bênção e a vida para sempre” (Sl 133.3). Não há evangelização poderosa sem a bênção de Deus. Evangelização eficaz é uma operação soberana do Espírito Santo abrindo o coração do homem, dando-lhe o arrependimento para a vida e a fé salvadora. Quando a igreja vive em comunhão, ali Deus ordena vida. A evangelização é o instrumento mediante o qual as pessoas que ouvem o evangelho nascem de novo e recebem vida em Cristo. Deus mesmo é quem ordena a vida onde a comunhão existe. Os resultados da evangelização não são alcançados pelo esforço humano. Não temos poder sequer de converter uma alma. Charles Spurgeon dizia que é mais fácil ensinar um leão ser vegetariano do que converter uma alma pelo esforço humano. Só Deus pode abrir o coração. Tudo provém de Deus! E é ele mesmo quem estabelece as condições para uma evangelização poderosa e eficaz.

II - A CAMINHADA CRISTÃ NA COMUNHÃO E NA EVANGELIZAÇÃO
Podemos refletir sobre a comunhão dos santos e observar que existem áreas da vida que refletem a comunhão. Observamos que, ao final, a evangelização é uma conseqüência clara dos santos em Cristo.
a) A comunhão motiva o crente a evangelizar. A comunhão dos crentes em Cristo é elemento motivador para a obra de Evangelização. Esta comunhão é derivada da identificação que ele o salvo têm com Deus; a relação devocional intima com o Senhor e o instrumento da manutenção desta comunhão. O crente em Cristo reflete o caráter santo de Deus em sua caminhada diária. Somos iluminados por sua santidade e, assim, iluminamos nosso irmão.
b) Ter comunhão é essencial para evangelizar.  Este é o âmago, a essência da comunhão. A verdadeira comunhão da Igreja se expressa na pureza de relacionamentos dos seus membros, o teológo Augustus Nicodemus expressou este fato nos seguintes termos: “A comunhão dos santos é mais que simples socialização. Ela brota dessa convicção que temos em comum e se expressa num relacionamento estreito, transparente e mutuo entre os crentes”.

II – A MISSÃO EVANGELIZADORA DA IGREJA
Evangelizar não consiste simplesmente em incorporar pessoas a uma Igreja já pronta, mas, antes de tudo, em encarnar o Evangelho na vida de pessoas.
a) Uma tarefa a ser cumprida. Na tarefa de resposta ao desafio da evangelização, a missão da Igreja é propagar o reino de Deus, mostrando ao ser humano o caminho, seja através do evangelismo pessoal, ou mesmo no evangelismo pelo testemunho, mas, sobretudo, pensar no evangelismo como um estilo próprio de viver; viver como Cristo viveu. Isto implica em situar a missão evangelizadora no coração do homem, numa visão Cristocentrica.
b) Um desafio a ser enfrentado. Evangelizar é sempre um desafio, afinal isso significa povoar o céu e saquear o inferno. Um desafio implicará sempre no enfrentamento a um oponente, e, neste caso, embora não tenhamos que “lutar contra carne ou sangue”, devemos entender também que desafios tais como pobreza crescente, ética social-política-econômica, direitos humanos, democracia, violência, igualdade racial, emancipação da mulher, ecoteologia, tudo isso diz respeito ao Evangelho.

IV - O QUE A PESCA MILAGROSA NOS ENSINA
O crente que vive em plena comunhão entende que a perseverança e a obediência são condições fundamentais para a evangelização.
A pesca milagrosa que Jesus proporcionou a Pedro nos traz maravilhosos ensinamentos. Depois de uma noite frustrante para Pedro, Jesus chega e o manda lançar as redes de novo! Jesus não era pescador, Pedro sim! Mesmo contrariando o seu bom senso e sua experiência, Pedro obedeceu. E o resultado foi uma grande pesca, tão grande que os navios quase afundaram com o peso. Podemos daqui extrair maravilhosas lições.
a) Fé e dependência. O que Jesus diz é o melhor. Às vezes, Jesus pede que façamos coisas que aparentemente não têm nada a ver, e muitas vezes o que pensamos ser melhor nos impede de obedecer fielmente a Deus; mas se Pedro tivesse seguido a sua experiência, jamais teria apanhado tantos peixes. Precisamos depender de Jesus.  A prontidão de Pedro. (“afasta-te da praia”) é um exemplo. Devemos estar sempre prontos para atender a chamada do Mestre independente do tempo, local ou circunstancias. Devemos sempre dizer: Eis-me aqui Senhor!
b) Perseverança. Era preciso trabalhar um pouco mais. Jesus estava encorajando aqueles homens a não “lavarem as suas redes”, a não desistir diante da noite em que tiveram uma péssima pescaria. Eles podiam tentar novamente. A vida é feita de tentativas. Aqueles discípulos precisavam lançar novamente a rede, mas não na sua direção, agora sob a direção de Deus, debaixo da Palavra de Deus.
c) Reconhecimento. Quando o milagre aconteceu, Pedro caiu na real, prostrando-se aos pés de Jesus, dizendo: “Senhor, ausenta-te de mim, por que sou um homem pecador”. Nós devemos reconhecer nossa pouca força, nossa limitação; em outras palavras, nos humilharmos diante de Deus, por que sem ele nada podemos fazer.
d) Seguir a Jesus. “E disse Jesus a Simão: “não temas; de agora em diante, serás pescador de homens”. Seguir a Jesus significa comprometer-se com ele. Muitas pessoas têm buscado uma experiência religiosa agradável; porém quando se fala de uma vida de sacrifícios, as pessoas saem pela tangente. É interessante observar que Jesus precisou do barco de Pedro. O Mestre precisa do homem, e conta com seus bens para propagar seu reino na Terra.

CONCLUSÃO
A Igreja de Jesus Cristo tem o grande desafio de levar luz aos que estão nas trevas, mas para isso precisamos estar debaixo da comunhão fraternal e das estratégias de Deus. É Ele mesmo quem nos ensinará a trabalhar, ainda que pensemos que já sabemos tudo, Ele nos mostrará que existem caminhos que nós ainda não trilhamos, e são justamente esses caminhos que farão a diferença em muitos aspectos de nosso ministério, de nossa vida, de nosso chamado, e até mesmo dos nossos “planos missionários”. Deus enviou seus profetas a Israel, enviou seu Filho ao mundo, enviou os apóstolos a pregarem, enviou o Espírito Santo à Igreja, e, hoje, nos envia ao mundo. Aceite os desafios de Deus, e não lave as suas redes!

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Fé na Eleição

POR TÃO PROFUNDO E IMPACTANTE, REPRODUZO AQUI O ARTIGO DO JORNALISTA HÉLIO SCHWARTSMAN, DA FOLHA DE SÃO PAULO.

Deu segundo turno. Isso anima os tucanos, mas não creio que a festa ranfastídea irá durar muito. Se tudo o que já li sobre ciência política e neurociência aplicada a eleições vale alguma coisa, o advento do segundo escrutínio significa apenas que Dilma Rousseff terá de esperar até o fim do mês para comemorar sua assunção à Presidência da República. Para sair derrotada, a candidatura petista precisaria perder eleitores que já conquistara, um fenômeno que até pode ocorrer, mas que é relativamente raro.
Dilma terminou com 47% dos votos válidos. Para atingir a marca dos 50% que a entroniza no Planalto, precisa apenas herdar 1,5 de cada dez simpatizantes de Marina Silva. Colocando de outra forma, Serra precisaria arregimentar algo como 90% dos eleitores do PV para reverter o quadro. Pelas pesquisas das vésperas do primeiro turno, ele de fato incorpora a maioria dos verdes, mas numa proporção inferior à necessária: 50%. Cerca de 30% tendem a migrar para o PT.
Não são, contudo, essas platitudes aritmético-eleitorais que me motivam a escrever a coluna de hoje. A crer no que dizem marqueteiros, pesquisistas e jornalistas, foi a polêmica em torno do aborto que custou a Dilma a vitória no primeiro turno. Insuflados por clérigos que denunciaram o passado pró-abortista da candidata, eleitores religiosos (principalmente evangélicos, mas também católicos) teriam trocado a petista por Marina, genuinamente evangélica e contrária ao aborto desde criancinha. Para não perder a piada, eu diria que votaram na pessoa certa pelas razões erradas. (Recado aos adivinhadores de sufrágio: não, não votei em Marina).
A tese do efeito aborto é verossímil. Infelizmente, é difícil comprová-la porque os dois principais institutos de pesquisa, o Datafolha e o Ibope, na reta final, para reduzir o tempo das entrevistas, deixaram de perguntar aos eleitores a sua fé. O Datafolha excomungou a questão religiosa no final de junho, e o Ibope, em 23 de setembro. Os dados deste último, contudo, chegaram a registrar um esvaziamento de Dilma entre os evangélicos no mês passado.
O fato de o comando petista ter reagido firmemente procurando lideranças religiosas nos últimos dias da campanha e esconjurando a descriminação do aborto de seu programa também é sugestivo de que as sondagens do partido captaram a tendência, deflagrando uma operação de redução de danos.
Se confirmado como um fenômeno de grandes dimensões, seria a primeira vez que a religião se torna uma variável relevante em eleições majoritárias no Brasil. É justamente aí que mora o problema.
Longe de mim sugerir que pastores e padres não têm o direito de convencer seus rebanhos a votar segundo a palavra de Deus, ainda que esta esteja aberta às mais diferentes interpretações, muitas vezes inconciliáveis entre si. A democracia só existe quando as pessoas são livres para dizer o que pensam, mesmo que sejam besteiras ou fantasias delirantes, e o eleitor vota prestando contas apenas à sua consciência. Mas ninguém jamais afirmou que a democracia era a autoestrada para o paraíso. Como celebremente observou o estadista britânico Winston Churchill: 'Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos'.
O perigo de utilizar uma lógica espiritual para pautar a política é que ela introduz absolutos morais em questões que precisam ser resolvidas de uma perspectiva essencialmente prática, normalmente com recurso a negociações. Em suma, tudo o que não precisamos é trazer para as leis e políticas públicas é a noção de pecado. É claro que existe um equivalente laico do conceito de pecado, que é o crime. A diferença é que, enquanto este último tem uma justificação exclusivamente racional em bases mais ou menos utilitárias e comporta gradações, o primeiro, por ter sido ditado por uma autoridade superior e supostamente incontestável, nos chega na forma de pacotes inegociáveis. De certo modo, pensar religiosamente é negar a política.
A condenação da iraniana Sakineh Mohammadi Ashtiani à morte por apedrejamento é um exemplo eloquente do tipo de problema com que estamos lidando. Ao contrário do que muitos possam pensar, atirar pedras em pecadores não é uma crueldade exclusiva do islamismo.
"Se se encontrar um homem dormindo com uma mulher casada, todos os dois deverão morrer: o homem que dormiu com a mulher, e esta da mesma forma. Assim, tirarás o mal do meio de ti; Se uma virgem se tiver casado, e um homem, encontrando-a na cidade, dormir com ela, conduzireis um e outro à porta da cidade e os apedrejareis até que morram: a donzela, porque, estando na cidade, não gritou, e o homem por ter violado a mulher do próximo. Assim, tirarás o mal do meio de ti'. Essas passagens não foram tiradas do nobre Alcorão, mas da sagrada Bíblia judaico-cristã, mais especificamente do Deuteronômio 22:22-24.
Os muçulmanos não inventaram, portanto, o apedrejamento de adúlteros. Na verdade, o Alcorão determina para quem for apanhado cometendo esse delito uma pena bem mais leve, de apenas cem chicotadas. É o "Hadith" --a narrativa dos atos do profeta que, junto com o Alcorão, constitui a base da "sharia", a lei islâmica-- que autoriza, depois das chibatadas, a lapidação.
Detalhes legais à parte, a diferença entre o islã e o Ocidente hoje é que, enquanto este último assistiu ao longo dos últimos três ou quatro séculos a uma progressiva laicização das instituições e mesmo da vida, o primeiro permanece fiel a suas origens e textos religiosos.
Talvez seja excessivo afirmar que o Ocidente se tornou irreligioso, mas é certo que acabou ficando pouco zeloso nessa matéria. Foi essa oportuna avacalhação que fez com que as fogueiras inquisitoriais não voltassem a acender-se e permitiu que a ciência avançasse por terrenos que antes lhe eram vedados. Vale lembrar que, a depender da Igreja Católica, não teríamos nem ao menos desenvolvido a anatomia, a mais básica das disciplinas médicas.
A grande maioria dos ocidentais não chegou ao ponto de negar a existência de Deus --e dificilmente chegará--, mas relegou o sagrado a uma espécie de limbo. Um europeu típico --nas Américas a coisa é um pouco mais complicada-- diz que acredita em Deus e até vai a um culto cristão de vez em quando, mais por hábito do que por convicção profunda. Lê muito pouco a Bíblia e, felizmente, nem mesmo cogita de implementar as passagens que mandam apedrejar adúlteros --ou assassinar ateus, acrescento de olho em meus próprios interesses.
Não é só; existe uma correlação negativa forte entre o grau de religiosidade de um país e seu sucesso econômico. Deus e pobreza andam de braços dados. Quem causa o que é uma questão aberta a interpretações.
É dessa pequena revolução iluminista que teve lugar no Ocidente que o islã se ressente. Lá muito mais do que cá, Estado e religião se confundem e tomam-se ao pé da letra as passagens do livro sagrado que descrevem o sofrimento futuro dos infiéis e as determinações do "Hadith" para que os apóstatas sejam assassinados.
Não estou evidentemente nem chegando perto de sugerir que essa novela em torno do aborto --e a vergonhosa capitulação de partidos que sempre defenderam um Estado laico-- nos coloca mais perto de uma teocracia. O próprio desenho institucional do país já veta essa possibilidade. Mas não é sem tristeza que assisto à negação da lógica laicista, que é a melhor coisa que aconteceu ao Ocidente nos últimos 300 anos.